Um milhão de obesos, 3,5 milhões de pré-obesos – o mais recente retrato da forma como os portugueses se alimentam mostra um país em que mais de metade da população adulta sofre de excesso de peso, e em que os maus hábitos alimentares começam muito cedo, consolidando-se à medida que a criança cresce.
O relatório “Portugal – Alimentação Saudável em números 2014”, do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direcção-Geral da Saúde, revela hábitos ainda muito distantes do que se considera ser uma alimentação saudável. Cada português adulto tem disponíveis por dia, em média, 3963 calorias – quase o dobro do que é aconselhável (entre as 2000 e as 2500 calorias) foi revelado esta quinta-feira na apresentação oficial do documento, em Lisboa.
O consumo de carne continua a ser excessivo (embora se esteja a verificar uma substituição das carnes de bovino e suíno pelas de aves), assim como o de sal, ao contrário do consumo de hortícolas e fruta, abaixo do recomendado. Só no grupo dos “cereais, raízes e tubérculos” e no dos “lacticínios” é que os portugueses se aproximam do padrão alimentar recomendado. Soma-se a estes dados, um consumo insuficiente de leguminosas secas, e excessivo de óleos e gorduras.
O relatório lembra que o consumo inadequado de frutas e hortícolas é determinante para doenças não transmissíveis como as cardiovasculares e alguns tipos de cancro, e que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o consumo diário de 400 gramas de frutas e hortícolas, o que equivale a cinco porções diárias.
Neste momento, e com os dados disponíveis – que são das instituições nacionais que recolhem estatística, dado que o último Inquérito Alimentar Nacional é de 1980 – não se consegue ainda avaliar o efeito da crise económica nos consumos das famílias. O mais provável é que as mudanças ocorram dentro da mesma categoria de alimentos, ou seja, em vez se substituir carne por leguminosas, a opção é por uma carne mais barata.
De pequenino…
É nos primeiros anos de vida que os maus hábitos alimentares começam, mostra ainda o relatório. Em primeiro lugar, nota-se uma “baixa prevalência do aleitamento materno exclusivo aos 4 e 6 meses de idade, contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde”.
No grupo até aos quatro anos de idade regista-se um “consumo frequente de fruta, sopas e produtos hortícolas” – 92% consome sopa pelo menos uma vez por dia, e 86% consome diariamente fruta fresca. Estes são números positivos. Mas vêm acompanhados de um dado negativo: “Mais de metade das crianças (52%) consome refrigerantes e néctares (colas, refrigerantes gaseificados, refrigerantes sem gás, ice tea e néctares) diariamente.” Além disso, 65% consome bolos e doces pelo menos uma vez por dia, e 73% consome snacks salgados (pizza, hamburger, batatas fritas e outros snacks de pacote) entre uma a quatro vezes por semana.
Outro dado importante é o que indica que os (maus) hábitos instalam-se facilmente: “As crianças que aos 2 anos consumiam mais refrigerantes, snacks, bolos e doces eram as que mais consumiam estes alimentos aos 4 anos de idade. O consumo diário de qualquer um destes grupos de alimentos é de 32% aos 2 anos, e de 96% aos 4 anos.”
Um dos problemas do consumo daquele tipo de snacks é a quantidade de sal que é ingerida com eles. Neste ponto, os números não deixam dúvidas: “Verifica-se uma ingestão de sódio acima do nível máximo tolerado em praticamente todas as crianças observadas (99%).” Estas conclusões têm como base um estudo realizado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, e levam os responsáveis do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável a alertar para a “necessidade urgente de intervir a nível populacional”.
No entanto, quando se observa mais em detalhe o quadro que mostra o contributo dos alimentos para a ingestão diária de sódio percebe-se que o principal responsável é a sopa de legumes, seguida pelos lacticínios. Os “doces e pastéis” contribuem com 6% e os snacks salgados com 1,1%. No que diz respeito à ingestão de açúcar, são os lacticínios a maior fonte (41,2%), seguidos pela fruta (21,1%).
Há um dado que aponta para uma evolução positiva – o crescimento da obesidade infantil tem vindo a estabilizar. Os autores do relatório sublinham, no entanto, que este dado “necessita de confirmação futura”.
Dieta Mediterrânica ainda distante
Além das crianças, o relatório dedica uma atenção especial a outro grupo vulnerável, o dos idosos. Também entre estes se nota uma “elevada prevalência da obesidade (51,7%)”, ao mesmo tempo que se identificam 2,1% de idosos desnutridos e 31,8% em risco de desnutrição. São dados inéditos, que não cobrem a totalidade do país, mas que “parecem indicar uma situação alimentar e nutricional de elevado risco nas populações mais idosas”. Defende-se, por isso, “a necessidade de monitorizar o estado nutricional [desta população] e de tentar prevenir estas situações a montante, nos locais onde estas pessoas permanecem regularmente.”
Apesar de a Dieta Mediterrânica ter sido inscrita há um ano como património da Humanidade, tudo indica que os portugueses ainda estão distantes deste padrão alimentar com reconhecidos benefícios para a saúde. “Este conceito e as suas vantagens são ainda pouco reconhecidos pela população portuguesa”, reconhece o relatório. No entanto, os autores esperam que o reconhecimento pela UNESCO possa “servir como catalisador para que Portugal assuma as suas tradições alimentares mediterrânicas de uma forma estruturada nas suas políticas públicas” e em áreas que vão da restauração pública ao turismo, à educação e à cultura.
Esta necessidade de maior coordenação entre organismos do Estado é referida noutros pontos do documento, que defende que “os serviços de saúde devem estar melhor preparados para trabalhar de forma integrada com outros sectores, nomeadamente dos Serviços Sociais ou da Agricultura, cruciais mas que ainda estão pouco articulados com a saúde na promoção de hábitos alimentares saudáveis.”
Lidar com estas questões é uma prioridade nacional não apenas porque há um “impacto crescente dos doentes obesos nos serviços de saúde”, mas porque uma má alimentação significa uma vida pior, e possivelmente mais curta – tanto para os homens como para as mulheres “os hábitos alimentares inadequados constituem o primeiro factor de risco de perda de anos de vida.”